Livro online: Página 3;




A verdade é que não conseguimos perceber a gravidade do problema, até que ele realmente cresça e fique grande e venha como um martelo bem na sua cabeça, eu não percebia o quanto do que passei na infância poderia me afetar, até eu realmente parar para perceber e o mais triste disso é que uma grande parte disso vem das pessoas que eu deveria mais admirar... Houve um tempo que eu costumava achar que tudo que meus pais me disseram estava certo e definitivamente era pra ser tratado como verdade absoluta, até que então eu cresci e agora não penso mais assim, não penso que foi certo crescer com palavras duras para que me tornasse alguém do bem e de caráter.
Hoje eu guardo mágoas daquilo que vivi e senti na infância, coleciono lembranças de momentos ruins, que me fizeram me fechar num imenso escuro sem fim.... É algo que eu simplesmente carrego comigo que hora vem como uma sensação de solidão, vazio.... E hora vem como um pesar tão grande que me leva para baixo, aonde eu acho que não tem as coisas não tem mais solução, e a única alternativa seria acabar com tudo isso, simplesmente indo embora, deixando tudo para trás, me livrando, mas será que de fato realmente me livraria? E então reluto contra mim mesma e volto a novamente tentar seguir em frente.
Ao mesmo tempo que retomo o ‘’controle’’ volto a pensar novamente logo depois e isso não leva muito tempo, se minha infância me retraiu, minha adolescência também contribui para isso, eu simplesmente não era compreendida, como qualquer adolescente, mas isso não veio das mudanças hormonais e da confusão de estar crescendo e sim da grande pressão de ter que aprender a me virar logo e a trabalhar primeiramente antes de tudo, para eu realmente aprender a valorizar o que me foi dado, por conta disso eu estava preocupada demais com conseguir meu primeiro emprego a qualquer custo, pois a ‘’indecência’’ de não possuir um trabalho era vergonhoso, eu precisaria começar cedo, aliás já estava tarde para minha mãe quando dizia frases como: - ‘’Arranje um trabalho e comece a se sustentar, jamais teria cabimento continuar sustentando alguém vagabundo que não pensa em trabalhar’’.
E durante a fase escolar, no ensino médio, perto de me formar eu comecei a loucamente ficar desesperada pelo fato de não ter um emprego, alguns dos meus colegas tinham um trabalho e esse fato me deixava cada vez mais preocupada e desesperada, me fazia me sentir ‘’vagabunda’’, ‘’a toa’’, eu queria ter um emprego não só para trabalhar e conseguir dinheiro, mas também para impressionar meus pais, para que eles pudessem enxergar que eu queria ‘’ser alguém do bem’’, e enquanto isso, eu foquei parte de um período de estudo e crescimento, numa incrível busca para me tornar ‘’adulta e direita’’, eu poderia ter estudado mais, eu simplesmente poderia ter feito cursos técnicos, cursos preparatórios para vestibular, mas nada seria investido em mim, eu nem sabia o que de certo essas nomenclaturas de cursos significavam, eu não tive instrução e incentivo em casa, eu estava preocupada demais tentando me lançar logo no mercado de trabalho, o tempo estava passando...
E então eu finalmente consegui um trabalho, meio período após a escola, aquilo foi o auge da minha alegria na época, meus pais finalmente iriam ter orgulho de mim, eu estava no caminho certo, e então era pouco dinheiro... E esse dinheiro não era suficiente para comprar o que eu queria e ajudar em casa, eu não tive o orgulho dos meus pais, afinal eu não estava fazendo mais que minha obrigação, aquele emprego tinha que ser temporário, logo eu teria que arrumar outro para conseguir realmente me sustentar, e foi assim que incessantemente procurei e procurei e me esqueci que poderia me aprimorar para conseguir, poderia ter feito mais por mim, eu poderia ter estudado para conseguir realmente um emprego decente, mas infelizmente não tive tempo e nem instrução para pensar em algo que fosse melhor pra mim, eu só pensava no que meus pais queriam e achavam o melhor.
A verdade é que eu não consegui um emprego em que eu me encontrasse, ou pelo menos alguma profissão que eu me encaixasse, eu simplesmente fui me adaptando para conseguir dinheiro e ter algo na minha carteira de trabalho, não ficar em casa ‘’parada’’ ‘’encostada’’ isso era inaceitável, eu achava que eu estava sendo moldada para ser alguém nessa vida, mas o que eu não sabia e fui descobrir só depois é que simplesmente eu estava sendo cada vez mais destorcida de uma realidade caótica de um alguém que eu não queria ser, mas cada vez que eu interrompesse essa formação, eu era crucificada em uma espécie de altar da vergonha, onde me colocavam e se sentiam a vontade para me julgar e dizer que eu estava longe de ser aquilo que eles esperavam. 

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